segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

História Econômica

A historiografia tem passado, nas décadas recentes, por uma sistemática revisão de seus pressupostos, e ao mesmo tempo por uma expansão de seus objetos, de suas abordagens, de seus aportes teóricos, de seus diálogos interdisciplinares. Dentro da História, enquanto campo de conhecimento mais amplo, várias das mais antigas modalidades historiográficas têm passado por esta redefinição de seus fazeres e fronteiras. Tem sido assim com a História Política, com a História Social, ou com a História Econômica. É este último campo historiográfico que pretendo discutir neste momento, examinando os seus deslocamentos temáticos, a revisão dos seus fazeres e de seus modos de examinar a dimensão econômica das sociedades historicamente localizadas. Abordarei a questão de dentro da perspectiva da própria historiografia, e não da Economia, que, destarte, é a disciplina fundamental com a qual dialoga esta modalidade historiográfica.

De modo bastante evidente, as últimas décadas historiográficas assistiram a um claro crescimento da rejeição à idéia de que a vida social e cultural seja direta e linearmente determinada pelas dimensões da Economia e da vida material – uma crítica que se estabelece inclusive no interior de algumas das correntes do próprio marxismo, a partir daí admitindo que processos culturais podem ser igualmente determinantes, inclusive agindo ou reagindo sobre a dimensão econômica de uma Sociedade[1]. Ao mesmo tempo, é patente também que os modelos quantitativos de levantamento e análise de dados também tem sido criticados significativamente nos últimos anos, o que reforça o fato de que vem se enunciando já há algumas décadas a tendência à rejeição de ‘uma certa História Econômica’ – linear, redutora – e também a proposta de novos métodos para além das técnicas quantitativas, que já não são compreendidas necessariamente como a única base de legitimidade de uma história científica, ou mesmo garantia desta última.

Posto isto, consideraremos que, de todo modo, a História Econômica já se constitui efetivamente em um campo histórico bastante antigo – “antigo”, porém, muito longe da possibilidade de ser taxado de “inatual”. Esta combinação de “antiguidade” com “atualidade” tem a sua história. À parte as trilhas epistemológicas que possuem um traçado anterior ao próprio âmbito da Economia Histórica tal como a entendemos hoje – isto é, à parte aqueles caminhos que já desde o século XIX vinham sendo percorridos pelos Economistas que se interessaram pela História como meio para solucionar alguns problemas do seu próprio campo disciplinar[2] – datam pelo menos da terceira década do século XX os investimentos mais decisivos dos historiadores em constituir a História Econômica como um campo historiográfico específico, ou como uma disciplina já bem constituída no interior de uma História de novo tipo[3]. Neste empreendimento, que em diversos focos diferenciados da Europa e das Américas começam a ter explicitadas as suas primeiras realizações em torno de 1930, freqüentemente se misturaram economistas e historiadores em uma empresa mista. Mais ainda, freqüentemente economistas se fizeram historiadores, e historiadores se fizeram economistas.

Diante deste domínio historiográfico em comum, no qual se encontram em incessante diálogo tanto os economistas por formação como os historiadores que se apropriaram de um conhecimento significativo pertinente às ciências econômicas, é forçoso admitir que a História Econômica é um daqueles setores intradisciplinares da História que exige dos seus praticantes certos conhecimentos e técnicas bastante específicas, possivelmente mais do que qualquer outro campo histórico. Além disto, convém lembrar que, se a História Econômica é já uma das modalidades historiográficas mais antigas em atual vigência, isto se dá porque – conjuntamente com a História Social – ela foi das primeiras que na primeira metade do século XX começaram a ser empunhadas como bandeiras a se agitarem contra a velha História Política que até então se fazia bem de acordo com o modelo do século XIX, esta história essencialmente preocupada com fatos políticos relacionados aos grandes Estados-Nacionais, e que quase sempre se apresentava como uma história essencialmente factual, narrativa no mau sentido, pouco problematizada.

É contra este padrão historiográfico extremamente antigo – este sim francamente inatual – que se insurgiu a seu tempo a moderna História Econômica conjuntamente com a História Social – seja através das realizações inauguradas pela Escola dos Annales, seja através das primeiras obras mais propriamente historiográficas desenvolvidas no âmbito do Materialismo Histórico, filosofia da História que havia sido fundada ainda no século XIX por Marx e Engels mas que só então, no século XX, começava a render realmente seus primeiros frutos em forma de historiografia[4].

O nosso objetivo em seguida será refletir sobre a História Econômica como campo intradisciplinar da História – examinar seu estatuto epistemológico, seus aportes teóricos e possibilidades técnicas, seus objetos preferenciais. Eventualmente, falaremos de algumas correntes específicas – tanto as inseridas no seio das Ciências Econômicas como as originadas no próprio seio da Historiografia – que atravessaram ou têm atravessado esse campo intradisciplinar que passaremos a chamar de História Econômica. Mas não estaremos nos utilizando da expressão “História Econômica” para remontar a correntes historiográficas ou economicistas específicas, a não ser entre aspas, e nos casos específicos em que a designação for de uso de grupos que empregam a palavra como uma auto-referência (por exemplo, o grupo da New economic History, nos Estados Unidos de a partir dos anos 1960). Via de regra, História Econômica estará sendo abordada aqui como um campo histórico definido que abriga muitas correntes, que acumulou certo repertório de discussões conceituais e potencialidades metodológicas, que se volta para determinados objetos específicos que adquirem sentido no entrecruzamento das questões econômicas e das questões históricas.

Um ponto de partida será discutir algumas noções fundamentais que fundam esta modalidade historiográfica desde suas origens, e outras noções que se desenvolveram posteriormente no seio dos estudos de História Econômica como noções e conceitos importantes. A primeira destas noções, no caso uma noção fundacional, é a própria noção de “sistema econômico” – já que freqüentemente os historiadores e economistas que se irmanam em torno do interesse pelos objetos mais habituais da História Econômica estão interessados em desvendar conjuntos coerentes que são referidos como “sistemas econômicos” de uma época ou outra, de uma determinada espacialidade social. Ou seja, como estes historiadores e economistas estão interessados em examinar um sistema integrado no interior do qual os diversos fatos econômicos adquirem algum sentido relativamente a uma determinada sociedade historicamente localizada, o conceito clama aqui por uma reflexão atenta acerca de suas principais implicações.


Leia o artigo completo em: http://ning.it/dF7fM5

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