sábado, 8 de janeiro de 2011

História-Problema

No post anterior deste blog, destacamos a importância do "problema" para a constituição de um bom recorte monográfico de pesquisa (por "recorte monográfico" entenda-se o modelo de texto historiográfico representado pelas monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado). Não basta, como vimos, termos um tempo e um espaço bem delimitados, mas é importante também termos um "problema" dewfinido. É sobre este tripé - tempo, espaço e problema - que repousa uma temática adequada de pesquisa, ao menos quando temos em consideração o modelo monográfico.

Na verdade, o "problema" assumiu uma importância fundamental na historiografia do último século, instituindo um novo padrão historiográfico que é aquele que os historiadores profissionais (historiadores de formação acadêmica) seguem até hoje, no século XXI. Hoje em dia, um historiador, salvo textos de divulgação mais ampla, dificilmente irá se propor a simplesmente narrar fatos acontecidos, ou descrever uma sociedade. Escrever uma "história factual", ou seja, uma história que se dedique simplemente a contar os fatos, seria uma proposta questionável para um historiador contemporâneo. Exige-se dos historiadores não apenas que contem os fatos, mas também que os interpretem; e mais: que formulem problemas sobre estes. Os "problemas", para um historiador dos dias de hoje, devem atender a demandas de nosso próprio tempo; dessamaneira, o presente de cada historiador termina por vitalizar um Passado que não é mais compreendido como algo morto, acabado.

Nas primeiras décadas do século XX, a questão de uma história necessariamente problematizada estava sendo colocada como uma questão historiográfica de primeira ordem. Rigorosamente falando, os grandes historiadores, mesmo nos séculos XVIII e XIX, sempre fizeram uma história problematizada; mas havia também toda uma produção historiográfica factual, ou mesmo antiquária (colecionadora de fatos do passado), que não era ainda depreciada pelos historiadores e filósofos da História. Um dos primeiros filósofos a estigmatizar a produção historiográfica dos "colecionadores de fatos" foi Fredrich Nietzsche, no texto "Sobre os Usos e Desvantagens da História para a Vida" (Segunda Consideração Extemporânes, 1873).

No século XX, a demanda por escrever necessariamente uma história "problematizada" tornou-se francamente dominante, seja sob o impulso de uma historiografia ligada ao materialismo histórico - que rigorosamente falando instituiu uma problematização econômica e social contra o pano de fundo de uma historiografia meramente factual - seja sob os clamores de uma nova geração de historiadores ligados a vertentes diversas. Um destes movimentos de novos historiadores - que ficou conhecido como "Escola dos Annales" - notabilizou-se por uma acirrada crítica contra historiadores que insistiam em situar factualidade no centro da operação historiográfica (http://ning.it/ezsx8d). O centro do palco, para estes novos historiadores, deveria ser ocupado por "problemas". A contextualização, o encadeamento de fatos, a crítica documental, continuavam procedimentos fundamentais para a operação historiográfica - mas estas instâncias não deveriam se apresentar sem uma "problematização" comandando o espetáculo historiográfico. Os primeiros historiadores da Escola dos Annales criaram uma expressão que bem expressa o espírito do novo tempo. Eles clamavam por uma "História Problema".

Lucien Febvre, parodiando uma antiga frase que postulava que "sem documento não há História", formulou o desafiador dito de que "sem problema não há história". Há mesmo um certo exagero na crítica dos líderes do novo movimento dos Annales - Marc Bloch, Lucien Febvre e, depois, Fernando Braudel - contra a historiografia francesa anterior, liderada por Gabriel Monod,Charles Langlois, e Seignobos. Estes historiadores - ligados a chmada "Escola Metódica" -não eram tão factualistas como os pintaram a nova geração de historiadores dos Annales. Além disto, não eram os Annales os únicos a defenderem as novas predisposições historiográficas, e já havia em outros países movimentos similares propondo renovações historiográficas (http://ning.it/dNN3fp). De todo modo, a estigmatização da historiografia factual e a demanda por uma "História-Problema" passou a integrar a identidade da nova historiografia. Até hoje somos tributários deste novo padrão historiográfico.

A demanda por uma "História-Problema" também veio ao encontro do projeto de trazer para a História um novo padrão de cientificidade. Sobretudo, quando pensamos no modelo hoje predominante na historiografia acadêmica, verificamos como a noção de uma "História-Problema" estabeleceu-se no mundo dos historiadores, passando a fazer parte da sua matriz disciplinar. O padrão da "História-Problema" reforça, enfim, a necessidade de problemas bem definidos para o estabelecimento de um recorte de pesquisa nos modelos monográficos preconizados pela historiografia acadêmica.

6 comentários:

  1. Otimo me ajudou a não bagunçar minha estante procurando os livros do Bloc!

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  2. Olá bom dia, hostariande solicitar a fonte para poder usar um fragmento dessa excelente pesquisa, por gentileza

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  3. Ótimo texto, esclareceu muito bem a diferença entre história factual e história problema ou nova história

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  4. muito bom,interessante e esclarecedor

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